Moradores da cidade de Mucum, no sul do Brasil, retiram pertences de uma casa danificada por um ciclone mortal
Moradores da cidade de Mucum, no sul do Brasil, retiram pertences de uma casa danificada por um ciclone mortal AFP

Em seus 74 anos, Humberto Simonaio nunca havia experimentado algo parecido: o ciclone que atingiu o sul do Brasil encheu tanto o rio Taquari que inundou até áreas altas que ele nunca tinha visto inundar antes.

Simonaio, proprietário de uma adorada sorveteria de meio século chamada Keko, na cidade duramente atingida de Mucum, disse que sabia que precisava levar seus freezers e outros equipamentos para locais mais altos, já que a tempestade da semana passada se dirigia para o sul. estado do Rio Grande do Sul, com chuvas torrenciais.

Mas ele nunca imaginou que o rio local se tornaria uma torrente tão grande que também invadiria o local supostamente seguro para onde os levou, o galpão de um amigo em uma das partes mais altas da cidade, disse ele.

"Desde o dia em que nasci, nunca tive que evacuar por causa de uma enchente", disse Simonaio, que teve uma máquina arrastada a vários metros pela corrente, mas planeja reabrir em breve.

"Não sei por que essas tempestades ficaram tão grandes. Esta foi a maior da nossa história", disse ele à AFP.

Mucum, com uma população de 4.600 habitantes, não está sozinho: os especialistas dizem que os fenómenos meteorológicos extremos estão a tornar-se mais comuns em todo o mundo, atingindo locais como Hong Kong, Grécia e Líbia só este mês, à medida que as alterações climáticas alimentam desastres maiores e mais mortais e os governos lutam para se adaptarem.

Uma semana depois da tempestade atingir Mucum, a cidade ainda está a limpar a lama e os destroços das suas ruas e a lamentar os seus mortos.

Dezesseis das quase 50 pessoas mortas no ciclone foram encontradas aqui. Dezenas de outros ainda estão desaparecidos em toda a região.

"As vidas humanas estão sendo seriamente afetadas pelo aquecimento excessivo da atmosfera, que está resultando em eventos climáticos extremos em diversas partes do mundo", disse Dakir Larara Machado da Silva, climatologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

"Ondas de calor recordes, secas prolongadas, um mês de chuva em 24 horas – é uma bomba-relógio", acrescentou o professor, que teve uma visão em primeira mão da destruição quando a tempestade atingiu seu estado.

"Áreas que não costumavam ser afetadas (pelas enchentes) estão começando a ser afetadas agora."

Num bairro de Mucum chamado Fátima, o mais atingido pela tempestade, a professora Ana Luisa Batiuci, de 56 anos, diz que costumava se sentir relativamente segura: a casa onde mora com o marido e a filha fica no topo de uma colina.

Mas eles colocaram mais de um metro de água dentro.

"Nunca tinha subido tanto", disse ela à AFP, limpando a lama.

Selmar Klunk, 38 anos, diretor de uma associação regional de turismo, estava ajudando vizinhos da cidade vizinha de Encantado a salvar seus pertences enquanto as enchentes subiam.

Depois de trabalhar a noite toda, ele soube que a enchente havia atingido o estacionamento onde ele deixou o carro, a dois quilômetros do rio.

Machado da Silva classificou o desastre como um "evento climático excepcional" que "desafia as medidas preventivas" – e provavelmente se repetirá.

"É o começo de algo que veio para ficar", disse ele.

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, também relacionou a tragédia ao aquecimento climático.

O planeta está a viver "uma emergência climática sem precedentes", disse ele na cimeira do G20 em Nova Deli.