Presidente Bolsonaro recebe apoiadores no Palácio da Alvorada, em Brasília
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, gesticula ao se encontrar com apoiadores no Palácio da Alvorada, em Brasília, Brasil, em 12 de dezembro de 2022. Reuters

A perda do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro de amplas proteções contra processos judiciais quando ele deixou o cargo no domingo o deixa mais exposto a investigações criminais e eleitorais que podem levar à sua prisão ou impedi-lo de concorrer ao cargo.

Bolsonaro, um nacionalista de extrema-direita, trocou o Brasil pela Flórida na sexta-feira, depois de perder para o presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva na votação mais concorrida do Brasil em uma geração.

Ainda não está claro quanto tempo ele planeja ficar na Flórida, que é o lar de seu ídolo político, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos o isola de qualquer risco legal imediato no Brasil, onde ele está sob investigação em pelo menos quatro investigações criminais.

Além disso, seu futuro pode depender do caminho traçado pelo ministro do Supremo Tribunal Alexandre de Moraes, bem como dos cálculos políticos de Lula, que foi preso pelo STF em 2018.

De acordo com a constituição do Brasil, um presidente em exercício só pode ser preso se for condenado pelo Supremo Tribunal Federal. Uma vez que ele deixar o cargo, porém, ele pode ser julgado por tribunais inferiores mais rápidos.

Depois de assumir o cargo no domingo, Lula fez uma ameaça velada a Bolsonaro, cujas alegações infundadas de fraude na eleição presidencial do ano passado deram origem a um violento movimento de negadores das eleições.

"Não carregamos nenhum espírito de vingança contra aqueles que tentaram subjugar a nação aos seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o Estado de Direito", disse, sem citar o nome de Bolsonaro. "Aqueles que erraram responderão por seus erros."

Embora o judiciário brasileiro seja independente, na prática os presidentes podem influenciar as investigações criminais.

Bolsonaro disse que sempre obedeceu à constituição. Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro, não respondeu a uma mensagem no LinkedIn.

A Polícia Federal, que tem investigado Bolsonaro e seus aliados, está subordinada ao Ministério da Justiça de Lula. A força relativamente independente agora é liderada por Andrei Rodrigues, um aliado de Lula que comandou a segurança do esquerdista durante uma campanha marcada pela violência bolsonarista.

A partir de setembro, Lula poderá instalar seu próprio procurador-geral, que tem o poder de indiciar Bolsonaro caso seus casos permaneçam no STF. Os críticos acusam Augusto Aras, o atual procurador-geral, de proteger Bolsonaro ao se recusar a apresentar queixa contra ele.

SONDAS DO SUPREMO TRIBUNAL

As quatro investigações criminais já em andamento antes da derrota eleitoral de Bolsonaro incluem alegações de que ele se apoiou na polícia federal para proteger seus filhos, espalhou falsidades eleitorais conhecidas e abrigou uma fazenda de trolls que vendia desinformação de dentro de seu gabinete presidencial.

Todos os quatro são liderados por Moraes, que foi ridicularizado pelos apoiadores de Bolsonaro como um déspota não eleito que censura a liberdade de expressão. Uma investigação separada liderada por Moraes sobre protestos violentos de negadores das eleições já rendeu várias prisões.

O ex-presidente pode se ver envolvido nas investigações de Moraes sobre os protestos pós-eleitorais, que incluíram um plano de bomba frustrado por um homem que disse ter sido inspirado por Bolsonaro. Tatiana Stoco, professora de direito do Insper de São Paulo, disse que o resultado seria arriscado para Bolsonaro.

"Pessoalmente, vejo um risco maior de prisão preventiva se surgir alguma evidência de que ele esteja diretamente envolvido com atos antidemocráticos recentes", disse ela. "Isso provavelmente aconteceria se for comprovado que ele está encorajando, promovendo ou financiando tais atos."

Bolsonaro mal falou publicamente desde sua derrota. Em uma mensagem com lágrimas nos olhos antes de deixar o Brasil na sexta-feira, ele disse que estava "trabalhando para encontrar alternativas", sem dar mais detalhes.

O silêncio de Bolsonaro pode não isentá-lo de culpa.

Sem nomear Bolsonaro, o ex-vice-presidente Hamilton Mourão disse no sábado que o silêncio de seu ex-chefe ajudou a "criar uma atmosfera de caos e desintegração social".

EXTRADIÇÃO, INELEGIBILIDADE?

Moraes poderia assinar um mandado de prisão para Bolsonaro enquanto ele estiver nos Estados Unidos, o que especialistas jurídicos disseram ser improvável, mas não impossível.

A polícia brasileira provavelmente precisa de mais tempo para reunir evidências contra Bolsonaro, disse o advogado constitucional Camilo Onoda Caldas, acrescentando que as coisas podem acelerar se Bolsonaro adotar um tom agressivo enquanto estiver nos Estados Unidos.

"Uma das motivações centrais para Bolsonaro permanecer no poder era proteger a si mesmo e a seus filhos", disse Caldas. "Como ele não é mais presidente e está muito mais vulnerável, ele deve adotar uma postura muito mais defensiva."

Mesmo que Moraes emitisse um mandado de prisão, especialistas disseram que uma eventual extradição de volta ao Brasil poderia levar anos, sem garantia de que os tribunais dos EUA compartilhariam a visão do judiciário brasileiro de que os supostos crimes de Bolsonaro são passíveis de extradição.

"Os crimes políticos geralmente são muito difíceis de perseguir por meio de extradição", disse John Feeley, que foi embaixador dos EUA no Panamá de 2016 a 2018, quando o país centro-americano solicitou a extradição de seu ex-presidente Ricardo Martinelli.

Em vez disso, disse Feeley, Moraes pode preferir esperar que Bolsonaro volte ao Brasil e ir atrás dele na chegada: "Ele não pode ficar na Flórida para sempre".

Bolsonaro também enfrenta 12 pedidos de investigação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por alegações infundadas de que o sistema eleitoral brasileiro é passível de fraude, bem como supostos abusos de poder para conceder benefícios econômicos para ganhar votos.

Se o TSE confirmar essas acusações, Bolsonaro poderá ser declarado inelegível para cargos eletivos.

Especialistas disseram que Lula provavelmente agirá com cuidado por medo de transformar Bolsonaro em um mártir. Apaziguar seus fãs e cooptar seus aliados pode ser a melhor maneira de neutralizar sua ameaça.