A febre da Copa do Mundo está esquentando na maior favela do Rio de Janeiro, a Rocinha - e em todo o Brasil
A febre da Copa do Mundo está esquentando na maior favela do Rio de Janeiro, a Rocinha - e em todo o Brasil AFP

Um mar de serpentinas e minibandeiras brasileiras tremula sobre o Beco da Liberdade, uma das inúmeras ruas estreitas que cruzam a maior favela do Rio de Janeiro, a Rocinha, que se enfeita com o esplendor da Copa do Mundo a cada quatro anos.

Mas os moradores vetaram um retrato grafitado do superastro Neymar - um apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro - e reduziram o verde e o amarelo de sempre, depois que as cores nacionais se associaram à extrema direita em uma eleição divisiva cujas feridas muitos brasileiros esperam. o poder do futebol agora ajudará a curar.

"A bandeira é nossa. Estamos torcendo pelo nosso país. Não tem nada a ver com política", diz Marcela Fadini Moreira, a professora de 41 anos que organizou a inscrição do Beco da Liberdade para o concurso quadrienal de decoração de ruas da Copa do Mundo da Rocinha.

Ainda assim, a amarga eleição do mês passado - na qual Bolsonaro perdeu por pouco para o veterano esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva - teve um impacto na aparência da decoração de suas ruas para o Catar-2022, onde o país de Pelé, Ronaldo e Ronaldinho busca um sexto título recorde.

"As pessoas não queriam que pintássemos o Neymar, porque ele apoiou o Bolsonaro" nas eleições, diz Moreira.

Então, ela e seus colegas decoradores voluntários fizeram um mural de graffiti do herói da cidade, Pedro, um atacante da seleção nacional e clube local Flamengo.

Eles também adicionaram flâmulas azuis e brancas ao habitual verde e amarelo, discando as cores adotadas por Bolsonaro, que pediu aos torcedores que vestissem a camisa da seleção brasileira para votar nas eleições de outubro.

Mais acima na encosta coberta pela extensa favela, outros murais retratam os jogadores da seleção nacional e o mascote da Copa do Mundo de 2022, La'eeb.

Um grupo de jovens faz malabarismos com uma bola de futebol em círculo, exibindo as proezas que tornaram o Brasil famoso pelo "jogo bonito".

Mas o entusiasmo da Copa do Mundo está um pouco diluído este ano, diz o líder comunitário Eliezer Oliveira, após a carnificina da pandemia de coronavírus, uma crise econômica e a eleição polarizadora.

"Poucas pessoas ficaram entusiasmadas com a decoração das ruas este ano", diz Oliveira, 57.

Ele espera que isso mude se o Brasil deslumbrar no Catar.

"Depois de todos os problemas que estamos passando... ver o Brasil ser campeão nos colocaria de novo com um sorriso no rosto", diz, com orgulho, ostentando a camisa da Seleção.

Os brasileiros estão cada vez mais pegando a febre da Copa do Mundo enquanto os pentacampeões se preparam para começar sua campanha na quinta-feira contra a Sérvia.

A habitual explosão de bandeiras, estandartes, bolas e outros enfeites com temas de seleções chegou, ainda que um pouco tarde, a bares, restaurantes, lojas e ruas de todo o país.

No bairro paulistano de Vila Medeiros, Jadson Paixão resolveu manter viva a tradição de enfeitar sua rua com os amigos de infância.

"É ótimo se as pessoas puderem aproveitar a Copa do Mundo e esquecer a eleição", diz o motorista de Uber de 35 anos.

"Política é política. Futebol é futebol."

Enquanto isso, há um movimento para reivindicar as cores da bandeira como símbolo nacional, em vez da extrema-direita.

Lula, que tomará posse como presidente em 1º de janeiro, lançou uma campanha para fazer exatamente isso, dizendo: "Verde e amarelo são as cores de quem ama e apoia o país".

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) também entrou na jogada, com um anúncio que visa despolitizar a camisa da seleção e "reconectar" com os torcedores.

"A Copa do Mundo é um momento de união", disse o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues.

"O futebol não vive sem os torcedores. Nosso objetivo é conectar pessoas de todas as idades, lugares, cores, raças, ideologias e religiões com o futebol."

O sucesso disso pode depender de como as coisas vão bem em campo.

"Se o Brasil vencer, acho que todo mundo vai querer vestir a camisa da seleção novamente", disse à AFP no Catar o empresário paulista Fabio Vassalo Grande, 47 anos.

"Para o brasileiro, futebol é alegria."

Um apoiador do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro acenando a bandeira no dia da eleição
Um apoiador do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro acenando a bandeira no dia da eleição AFP
Crianças jogando futebol na Rocinha em frente a um mural da seleção
Crianças jogando futebol na Rocinha em frente a um mural da seleção AFP
A Rocinha está espalhada por uma encosta perto do litoral icônico do Rio
A Rocinha está espalhada por uma encosta perto do litoral icônico do Rio AFP